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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Desabafo de um leitor compulsivo

Um dia desses lembrei de um antigo colega meu, que era leitor tão viciado quanto eu, criticar algumas pessoas por estarem lendo revistas de fofocas ou então autores como Paulo Coelho. Dizia ele que essas não são leituras que prestem e que todos deveriam ler coisas mais intelectualizadas como, por exemplo, Machado, Shakespeare, Molliére. Ele olhou para mim buscando aprovação, pois alguns destes autores estão na minha lista de favoritos, mas eu instantaneamente lembrei de como comecei minha vida de leitor compulsivo: lendo revistas em quadrinhos.

Eu tinha uns 13 anos quando comprei minha primeira revista em quadrinhos. Era do super-homem. Logo em seguida comprei de vários outros e chegou uma época em que eu comprava oito por mês. Um dia as revistas faltaram, não lembro bem o porquê, então tive que me entreter com outra leitura. Ia às bancas por hábito, meio que rezando para aparecer algo mandado dos céus para eu ler. Pior é que veio: um livro falando de Albert Einstein. Acabei comprando e passei um mês para lê-lo todo. Daí pra frente, a leitura acabou virando meu principal gasto, fazendo de mim um espécime raro, principalmente por causa da idade.

Parando para pensar um pouco, ainda bem que havia gibi e dou graças por isso. Nunca gostei dos livros que me mandavam ler no colégio. Lia mais por causa da nota do que por gosto mesmo, o que acabou fazendo com que eu tivesse um certo preconceito pela literatura, vejam só. Francamente, esse é o maior erro do ensino: não incentivar o gosto pela leitura.

Nos mandam ler livros sobre autores que mal ouvimos falar, nos dão um prazo para ler e interpretar e quando chega na hora da prova, na maioria das vezes nos dão perguntas bobas para responder. Vou dar um exemplo real. Meu professor de literatura iria cobrar Iracema na prova. Naquela época eu só lia gibi. Li com toda a força de meu ser e consegui terminar num tempo recorde de três semanas. Passei duas tardes com um grupo da sala falando sobre o livro e chegamos, pelo que me lembro, a várias interpretações interessantes e todas corretas. Chegou na hora da prova e qual a pergunta? Para a minha decepção era: qual a região onde se passa a história?

Três semanas para uma pergunta tão idiota assim?! Tinha coisa melhor não? Vejam só como isso desestimula. Na próxima prova, seria cobrado Senhora. Prevendo já que a pergunta seria outra vez um insulto ao meu esforço e ainda pior, inteligência, não li nada do livro. Nem uma linha sequer. Só li o título e o nome do autor, só para não esquecer que foi Alencar quem o escreveu. Vem agora o tragicômico do ensino brasileiro... Aquele grupo com quem me reuni era muito preocupado com notas, coisa que nunca fui e ainda bem que sou assim. Leram o livro todo, interpretaram, perderam uma semana em tardes para discuti-lo, pensaram até em fazer cola, e eu lá, na minha, um insulto pleno à obra de um mestre da literatura.

Então chegou a prova. Eu, um colosso de ignorância sobre a história do livro. Veio então uma pergunta tão vazia quanto... Quanto qualquer coisa que seja tão vazia assim. “Como termina a história?” Respondi em três palavras: Eles ficam juntos. Esperei com ansiosidade pela minha nota. Soube que houve uma pessoa daquele grupo que anexou uma página de seu caderno à prova, pois a resposta havia sido demasiada grande. Eu tirava toda a sorte de piadas, mas sabia que se minha resposta fosse negada, passaria um bom tempo como a piada encarnada da sala.

Veio então a nota. Tirei dez. Um dez bem grande e gordo. Depois disso, ninguém mais na minha sala conseguiu terminar um livro que o colégio mandava ler. Eu a cada mês aumentava minha biblioteca e sempre aparecia com um livro debaixo do braço. Fazia estoques de livros, comprava-os em promoção, mesmo sabendo que só os leria em alguns meses. E o resto? Lia o que meu amigo chamou de “leitura que não presta”.

Então alguém me diga como alguém que detestava literatura e comprava só Batmam, Superman e companhia, agora tem livros de Shakespeare, Julio Verne e até de Foucault? Eu respondo: acidentalmente eu tomei gosto pelos livros, gosto este que nunca a escola me proporcionou.

Na escola é como eu disse: você lê por obrigação de tirar nota. E pior, lê algo que para a sua idade é na maioria das vezes intangível em termos de compreensão. Na minha opinião, o que importa não é você dizer que já leu este autor ou aquele outro, mas que tenha lido algo e tenha aprendido algo, se estimulado a ler mais e, principalmente, se divertido, o que é mais importante. Com o tempo, você pode adquirir o gosto ou não, mas pelo menos não sai dizendo com todo o orgulho do mundo que não gosta de ler nada e ir orgulhosamente para o vestibular de analfabeto letrado que mais parece ultimamente voluntariado que concurso.

Não tenho vergonha de dizer que foi Clark Kent e Bruce Wayne que me levaram a ler alguns dos maiores clássicos da literatura mundial. Foi o modo que consegui para me interessar por leitura. Teria vergonha sim de dizer: Martelaram tanto no colégio que agora comecei a ler. Leitura não é obrigação, é gosto. Leitura não é martelação, é aprendizagem. Leitura não é conseguida por notas, mas por motivação justificada.

Agora o que me frustra mais é que este texto provavelmente vai ser lido por quem já gosta de ler. Então, tenho que arrumar outro jeito de atrair as pessoas para este maravilhoso universo. Ainda bem que produzir texto é outra história...

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